top of page

 

Monte Roraima

 

 

MONTE RORAIMA (RR) / Brasil-Venezuela-Guyana

 

PAISAGENS - IMPRESSÕES SENSORIAIS

 

"Se um homem atravessasse o Paraíso num sonho e lhe dessem uma flor como prova de que ali estivera, e se ao despertar encontrasse essa flor na mão – e então?” (S.T.Coleridge)

 

"If a man could pass through Paradise in a dream, and have a flower presented to him as a pledge that his soul had really been there, and if he found that flower in his hand when he awake — Aye! and what then?" (S.T.Coleridge)

 

MONTE RORAIMA, levarei para sempre as flores e as bençãos recebidas dessa expedição-sonho. O Monte existe e não existe, como no Zen. Está localizado na fronteira do além tempo humano, pois guarda memórias esculpidas em uma época geológica muito remota desse planeta onde a vida humana era apenas um potencial.

 

Uma época onde boa parte da massa terrestre da Terra ainda estava unificada, assim como o Continente Africano e a América do Sul. A formação rochosa Roraima é datada desse período, com aproximadamente 2 bilhões de anos e que, ao longo de todo esse período de jornada do planeta Terra, foi se transformando numa espécie de ilha geológica (talvez porque seja cercada de céu e nuvens na maior parte do tempo) e dona do seu próprio cenário, ecossistema e conceito de Tempo.

 

Quanto à viagem, a verdade é que em algum momento dessa experiência você passa pela imperceptível cortina do sonho, que pode ter sido em algum ponto dentro da generosa Grande Savana venezuelana (a porta de entrada para o Monte por terra) ou, quem sabe, há um punhado de anos atrás quando você viu alguma foto do Monte e essa natureza onírica se abriu dentro de você. Já não importa mais. A partir de um dado momento você está literalmente se movendo dentro de um estado e uma estrutura de sonho. Sem nenhum torpor e nem nada do tipo slow motion, muito pelo contrário, você está totalmente desperto, vivo e rodeado de energias muito puras e cristalinas, mesmo dentro do que poderia ser chamado de inóspito por alguns. E dentro desse inóspito (ou Santuário), a beleza e a delicadeza do que se apresenta são incomensuráveis. Demorei muitos dias depois da minha chegada dessa viagem sem palavras para descrever qualquer coisa sobre o Monte, só o silêncio e um  emocionado sentimento de infinita Beleza morando dentro de mim.

 

A primeira parte da trilha é percorrendo a Grande Savana (La Gran Sabana) e essa região lembra um pouco o nosso Cerrado brasileiro, em proporções maiores, com um fantástico horizonte para expansão dos sentidos em total liberdade, uma biodiversidade de plantas típicas, paisagens das refrescantes "Veredas" formadas por Buritis (ou "Moriches" como são chamados por lá) que denota um lençol freático rico em águas e também sabemos e sentimos que essa região guarda outros tesouros em suas entranhas, com uma gama de minérios, gemas e ouro. Esse é a generosa porta de entrada que vai te aclimatar e clarificar suas energias para a chegada no topo. As energias ali embaixo são bem amalgamadas com uma essência indígena, dignas de uma paz  familiar e que também são hospitaleiras ao turismo do Trekking. Já no topo do Monte o território é dramaticamente outro, suas energias são absolutamente de um outro mundo e nem por isso menos acolhedoras, apesar do isolamento de qualquer referência de vida humana e do chão da terra.

 

A transição se deu no 3º dia de subida quando saímos da larga paisagem da Savana e cruzamos uma Floresta Tropical de encontro ao tão almejado paredão do Monte. Ali é o Passo das Lágrimas, um dos trechos mais marcantes e exuberantes de toda a trilha.

 

No meu entender é uma benção que o acesso ao Monte Roraima esteja protegido pelo Parque Nacional Canaima e em território de uma comunidade indígena, a Paraitepuy (etnia Pemon) que é a base de apoio para o Trekking. Tudo naturalmente rústico e simples e em perfeito equilíbrio com a sabedoria local que não vai interferir na sua experiência direta com a natureza. Nós visitantes trazemos conosco nossas bagagens longínquas, ansiedades e eles ali, os habitantes locais, sustentando seu milenar vínculo com a Terra nos recepcionam com seu modo calmo, silencioso e respeitoso. Uma elegância de chamar a atenção. Essa foi a minha experiência.

A TRILHA

 

Ilustração do mapa de Emilio Perez

Fizemos 7 dias de Trekking, sendo que 3 dias para a subida, 2 dias para explorar o topo e mais 2 dias descendo. Fazíamos uma média de 5-6horas de caminhada por dia.

 

A altitude do topo do Monte onde acampamos é de 2.700m e o início do Trekking que parte de Paraitepuy, já dentro da Gran Sabana, fica em torno de 1.000m de altitude.

 

O primeiro dia foi tranquilo, trilha sem aclive ou declive acentuado, uma aclimatação pelo território da Savana, com direito a uma chuva leve para refrescar do calor e arco íris ao redor dos Montes Roraima e Kukenan (ou Tepuis como são chamados). A primeira parada foi no acampamento do Rio Tek.

 

Já o segundo dia foi mais extenuante, por causa do sol e dos longos trechos de subida, em especial no final um pouco antes de chegar ao acampamento na base do Monte (numa altitude de 1870m). São mais de 800m de subida num dia. Aproveite todas as oportunidades que você encontrar para tomar banhos de rio. Vai te dar mais disposição, aliviar o cansaço da sua musculatura (além de tirar o suor do corpo) e te revigorar bastante. Aliás, apesar do dia bem cansativo, o lugar onde fica o Acampamento Base é tão maravilhoso que muito rapidamente você se recupera do esforço feito ao longo da trilha, basta um pouco de descanso, se alimentar bem que suas energias rapidamente se revigoram afinal você já está na base e sob os domínios do Monte. E isso é grandioso. Você ficará extasiado com a paisagem ao redor. Mas ok, quando você deitar na barraca a noite e relaxar todo seu corpo muito provavelmente você vai sentir a musculatura das suas pernas trabalhadas, isso é normal.  Mas no dia seguinte cedo você acordará totalmente descansado e assim que vierem os primeiros raios de sol da manhã você já estará cheio de vitalidade e querendo ir para a subida final. E se prepare, pois esse é um dos pontos mais exuberantes do Trek.

 

No terceiro dia da trilha vem a grande surpresa, você vai estar imerso em uma frondosa Floresta Tropical. Apesar de todo o trajeto ser íngrime e integralmente subida (subimos aqui os outros quase 850m restantes), a trilha nem é assim tão cansativa (óbvio que fizemos algumas paradas), Primeiro porque você estará dentro de uma mata sombreada e fresca, com um ar muito puro e com uma vegetação de encher os olhos (bromélias gigantes, orquídeas, palmeiras, entre tantas outras espécies tipicamente equatoriais). E depois porque finalmente você vai alcançar o paredão de pedra e é uma emoção muito grande chegar até ali, tocá-lo. Você estará no Passo de las Lagrimas! Nem vou descrevê-lo para não estragar a surpresa. Você agora vai caminhar (ou escalaminhar) por umas lindas rochas cor de rosa que te levarão até o cume, já na fenda que existe no paredão rochoso, que é o ponto de subida a pé até o topo. Pense no Trekking, em especial nesse trecho da trilha e no topo, como uma experiência muito sensorial,  abra seu poros e sentidos livremente, afinal as paisagens são arrebatadoras.

 

Quarto e quinto dias explorando o topo, esse outro planeta. Continuo sem palavras para falar do topo, vocês verão algumas fotos e ao final desse post algumas descrições sobre as Formações Rochosas e a Vegetação ali encontrada. Simplesmente vá e aproveite ao máximo sua experiência. Uma beleza e uma paz infinita vão estar te rodeando nesse Santuário a todo o momento nas suas caminhadas. Você se sentirá na fronteira além do Tempo.

 

As distâncias lá em cima são grandes, como só tínhamos dois dias (3 noites) para explorar resolvemos curtir e explorar com mais calma o lado venezuelano que é repleto de muitas atrações. Um ótimo pretexto para voltar numa próxima expedição.

 

Seja qual for o trajeto que você escolha para explorar o topo não deixe de ir às Jacuzzis (e se banhar nessas maravilhosas rochas com mais de 2 bilhões de anos e repletas de cristais ao fundo), ao Vale dos Cristais, à Catedral, ao mirante La Ventana, e tantos outros sítios e paisagens percorridas entre esses trajetos. Siga seu guia (e as trilhas esbranquiçadas das pegadas no chão), pois em dois minutos já é possível se perder. É sério, são muitos os detalhes e as belezas que vão chamar sua atenção, tudo muito irresistível e os caminhos são como labirintos. Aliás, se você tem um prazer estético aguçado, você se sentirá no Nirvana.

 

O dia da descida é uma despedida e ao mesmo tempo saber que tudo aquilo que entrou pelos seus poros, coração e sentidos já faz parte de você de algum modo. Além do mais é dia de passar de novo pelo Passo de las Lagrimas e pelo trecho de floresta, um bálsamo! A única coisa é que vai ser um dia inteiro de longa caminhada, pois provavelmente você também seguirá direto para o acampamento do rio Kukenan ou do rio Tek (sem pernoite no Acampamento Base).

 

No sétimo e último dia de trilha é novamente o vasto horizonte da savana que te acolhe. Uma sensação muito forte de serenidade e realização vão te preenchendo e mais uma vez você fica consciente do imperceptível véu que divide o sonho da realidade. E você percebe que não precisa optar por um ou por outro, agora você faz parte desses dois mundos. Essa é a magia do Monte.

Galeria de Fotos:  Savana,  trilha, acampamentos, mata e Passo das Lágrimas.

Galeria de Fotos:  Topo do Monte Roraima, esse outro mundo.

COMO CHEGAR

 

- O Monte Roraima está localizado no Norte da América do Sul, fronteira tríplice entre Venezuela, Brasil e Guiana. Na Venezuela, que conta com 85% do Monte em seu território, esse ambiente é protegido pelo Parque Nacional Canaima (Patrimônio da Unesco) e no Brasil ele é protegido pelo Parque Nacional do Monte Roraima, município de Pacaraima/RR. Esse tipo de formação rochosa encontrada nessa região, em formato de Mesas, são chamados de Tepuis (nome indígena).

 

- O acesso ao Monte Roraima por trilha é feito pela Venezuela. A cidade de apoio é Santa Elena de Uairén que está distante somente 15km da fronteira entre Venezuela e Brasil e distante 230 km de Boa Vista, capital do Estado de Roraima/BR.

 

- Google Mapas - Foto de Satélite: https://www.google.com.br/maps/@5.2257595,-60.7744373,21366m/data=!3m1!1e3

 

- Você encontra voos diários para Boa Vista, porém são voos longos (considerando que você não mora na região norte do país), voos com escala e poucas opções de horários. Portanto fique de olho na melhor alternativa e reserve sua passagem com antecedência.

 

- Para fazer o trajeto de Boa Vista/BR- Santa Elena de Uairén/VE- Boa Vista/BR você pode optar por um sistema de taxi (uma espécie de cooperativa - "Cootap") em que eles cruzam a fronteira com você, fazendo o trajeto de cidade à cidade. É o modo mais ágil, confortável e mais econômico que taxi comum. Você tem a opção de contratar para um pequeno grupo (até 4 pessoas) e dividir o valor ou se encaixar num sistema que divide com outras pessoas. Para tal contate o Djalma que faz esse trajeto diariamente pelo cel.: (95) 99119 7701 (Boa Vista).

 

- A estrada que liga Boa Vista à Santa Elena é toda asfaltada, com uma paisagem já de savana e que passa por algumas reservas de terras indígenas. Na fronteira você terá que carimbar passaporte (de saída do país e depois de entrada na Venezuela). Vale também carteira de identidade (atualizada) uma vez que os dois países pertencem ao Mercosul. Não nos pediram o cartão de vacina de febre amarela, porém é aconselhável.

 

- De Santa Elena você irá para a Comunidade Indígena de Paraitepuy, já dentro do Parque Nacional Canaima, de onde será feita a partida do Trekking. São aproximadamente 90km de Santa Elena por uma estrada lindíssima que corta a Gran Sabana, um horizonte sem fim e todo entrecortado por veredas (para quem conhece o Jardim de Maytrea na Chapada dos Veadeiros/BR vai lembrar dele por aqui, porém numa escala amplificada). Esse trajeto foi feito de Jeep e já fazia parte do nosso roteiro que contou com o apoio da agência Angel Eco-Tours a partir da chegada em Santa Elena.

 

DICAS PESSOAIS

 

- Agência:  Angel Eco- Tours, agência de ecoturismo de um amigo, Paul Stanley, que mora na Venezuela e há anos trabalha no país organizando expedições. É um turismo diferenciado e consciente, sempre em contato com a cultura local, em especial a indígena. Fizemos o Trekking do Monte Roraima e a visita à Angel Falls com a sua agência. Não hesite em contatá-los: pelo site http://angel-ecotours.com ou pelo email<info@angel-ecotours.com>

 

- Nosso guia: o guia que nos acompanhou no Trekking do Monte Roraima foi o Junior Jose Rodriguez e mora em Santa Elena de Uairén. Um perfil natural de líder, conhece a trilha e o topo do Monte como a palma da sua mão, sabe dizer sim e não para as solicitações do grupo com muita segurança e calma, além de ter uma equipe adorável e muito eficiente para o apoio do trekking e dos acampamentos. Isso é fundamental. Junior é um indígena colombiano que vive na Venezuela há muitos anos e com grande experiência nas expedições para o Monte Roraima. Para contatá-lo basta falar com o pessoal da Angel Eco-Tours ou caso você esteja indo direto para Santa Elena tente o telefone que ele nos deixou de contato: +58 0424 8096819.

 

- Imperdível: não deixe conhecer o Salto Angel (Angel Falls), a maior queda livre do mundo (979m), com um cenário de tirar o fôlego. De Santa Elena de Uairén você terá que ir para a Ciudad Bolivar (aproximadamente 700km). O Salto (foto da esq.) fica dentro de uma reserva ecológica (Setor Ocidental do Parque Nacional Canaima), com especial beleza para a Lagoa de Canaima, de onde você vai pegar uma canoa (curiara) para percorrer o rio que vai te levar à base do Salto Angel e estará rodeado por tantos outros Tepuis ao longo do passeio. O acesso a esse setor do Parque se dá apenas de avião, operado por diversas Cias Aéreas, com saídas de Ciudad Bolivar ou Puerto Ordaz. A agência Angel Eco-Tours é especializada nessa região. Obs.: em breve farei um post exclusivo sobre o Salto Angel, com mais fotos e dicas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- Visite também: próximo à Santa Elena de Uairén (aprox. 30km) tem a Jasper Falls (foto da dir.), uma cachoeira correndo por uma grande pedra opaca de quartzo avermelhado (Jasper ou Jaspe). Um lugar espetacular, no meio de um bosque e de fácil acesso. Essa é uma das tantas surpresas da Gran Sabana.

 

- Dinheiro: a moeda oficial da Venezuela é o chamado Bolívar e seu câmbio muda quase que diariamente, além de ter um sistema (inclusive regulado pelo governo) de dólar paralelo. Nossa moeda é mais forte que o bolívar venezuelano, mas mesmo assim se precisar de dinheiro para usar lá (alimentação, bebidas, extras) o mais fácil é levar um pouco de dólar e deixar para trocar em Santa Elena. Aconselhe-se com alguém de confiança onde fazer o câmbio e troque somente o necessário a cada vez, uma vez que a moeda deles ainda não passou por uma reforma monetária (tudo é contado em 'centenas ou milhares' de bolívares) e as cédulas são grandes, ou seja, simplesmente não vai caber na sua carteira. Em Santa Elena pouquíssimos lugares aceitam cartão de crédito.

 

- O país: viajar pela Venezuela tem suas peculiaridades e não é exatamente fácil para o turista, uma vez que também não está nada fácil para o povo local. Vá com o coração aberto, sem frescuras, e aproveite sua aventura.

 

- Hospedagem em Boa Vista/BR: fizemos uma pernoite no Aipana Plaza Hotel que é bem localizado, próximo do aeroporto e em área central.

 

- Hospedagem em Santa Elena/VE: na saída e na chegada do Trekking pernoitamos em Santa Elena na Pousada 'Los Pinos'. É uma pousada standard (no geral é assim em Santa Elena), com o pessoal atencioso, boas refeições e decoração exótica. O dono da pousada, um alemão que vive na Venezuela, tem uma grande experiência com turismo e possui também uma agência de turismo local (na qual conhecemos nosso guia Junior). Caso você chegue 'desavisado' em Santa Elena eles podem te auxiliar com os passeios.

 

- Obs.: para fazer o Trekking do Monte Roraima você tem também a Roraima Adventures Turismo que é a agência do Brasil com mais experiência nesse trajeto. Sempre ouvi bons relatos dela, pessoal de confiança (parceira da maior parte das agências de ecoturismo no Brasil que trabalham com o Monte), porém num sistema já bem comercial a meu ver (vários pacotes com saídas e roteiros pré-definidos) onde você pode correr o risco de cair em um grupo muito grande (aliás evite feriados), ou um grupo muito barulhento (sic!) e sua experiência ser prejudicada. Como esse não era meu perfil (gosto de viajar de forma alternativa) fizemos de um modo absolutamente personalizado, com um grupo pequeno e de pessoas afins. E o preço final muito mais em conta uma vez que nos locomovemos na Venezuela com o pessoal de lá, em especial para a 2ª etapa da viagem que foi a visita ao Salto Angel.

 

 

Informações Adicionais

 

 VEGETAÇÃO DO RORAIMA

 

Ilustração do mapa de Emilio Perez

As plantas do topo do Monte são extraordinariamente belas e desenvolveram seu modo peculiar de se agarrarem à vida. Geralmente nascem em fendas ou fissuras geradas pela erosão das rochas de superfície ou em qualquer lugar onde exista um pouco de solo que resista de ser levado embora, assim como seus poucos nutrientes, pelas frequentes chuvas presentes no topo. Vemos também uma considerável quantidade de plantas carnívoras e até mesmo espécies que se transformaram em (como no caso de algumas bromélias), como técnica de sobrevivência para suprir suas necessidades de alimento.

 

Lembrando o isolamento a que estão submetidas no platô, a 2734m de altitude e separadas do chão por escarpas (paredões) que chegam até 500m de altura, a vegetação encontrada no topo é realmente única. Plantas que guardam traços pré-históricos com outras espécies, bem como aprenderam a sobreviver num ambiente repleto de adversidades, onde ventos úmidos e gelados surgem a todo instante, além dos nutrientes que são constantemente varridos pelas águas montanha abaixo.

 

Nesse ecossistema peculiar do topo do Monte há um outro aspecto que lhe confere um certo ar de sobrenatural, além da neblina, pois suas rochas apresentam uma tonalidade escura. Na verdade as rochas são rosadas (coloração própria do arenito), mas o tempo se encarregou de cobri-las com um limo negro e escorregadio formado por um tipo de algas azuis (cianobactérias), organismos que estão entre os mais antigos do planeta e que conseguem sobreviver nessa superfície porosa. São vários os ecossistemas que co-habitam no topo do Monte.

 

Nas áreas mais abertas encontramos pequenas composições de plantas endêmicas, muitas com flores e também com cores bem vivas, e que muitas vezes se parecem com miniaturas de arranjos (ou mini-bouquets) retirados de algum Jardim Japonês. De se encantar a cada passo. A maioria das plantas que habita o topo é única desses tepuis e mais do que a metade delas são encontradas somente ali no Roraima. Só por esse fato já vale a subida!

 

Sabemos também que as Samambaias são as plantas de terra mais primitivas do planeta, e aponta-se (por estudos do solo) que o Roraima abrigou em suas entranhas densas florestas de árvores pré-históricas ao longo do tempo, com Samambaias de até 4 metros de altura, Cyatheas (tipo Samambaiuçu), Cycas (ou Palmeira-Sagu, que são verdadeiros fósseis vivos, próprias do Período Jurássico), entre outras. Parece que isso é mais visível no Tepui vizinho ao Roraima, o Kukenan.

FORMAÇÃO ROCHOSA RORAIMA

 

A formação rochosa Roraima, assim como a região de todo o planalto da Guiana, são tidas como uma das mais antigas da crosta terrestre, supostamente do Período Pré-Cambriano e faziam parte do antigo Supercontinente que ocupava o Hemisfério Sul chamado de Gondwana, ou Gondwanaland. Através de inúmeras explosões, erupções e movimentos tectônicos essa massa terrestre começou a quebrar-se e a se separar quando, já no final do Período Jurássico, o bloco da América do Sul e o bloco da Africa se separaram definitivamente e o Oceano Atlântico pode surgir e percorrer livremente do Sul ao Norte.

 

Essa separação também levantou do solo um bloco maciço de arenito, de quase 3 mil metros de espessura bem nessa região que hoje é o norte da América do Sul. Movimentos sucessivos da crosta terrestre quebraram esse colosso em centenas de pedaços, criando fendas que foram se alargando ao longo do tempo (pela erosão) e criando imensos vales e esses pedaços de arenitos foram ficando cada vez mais distantes uns dos outros. Esses pedaços de montanhas de arenito em formatos de Mesas (chamados de Tepuis), abrigam em seu topo, de uma forma ou de outra, um traço de memória de como seria o planeta no momento dessa ruptura, onde espécies de animais e vegetais se desenvolveram completamente ilhadas uma das outras mas preservando certo parentesco com as das montanhas vizinhas e, inclusive, com terras que ficaram no Continente Africano (como é o caso das pequenas rãs de cor negra que são endêmicas do topo do Monte Roraima - Oreophrynella Quelchii - e que guardam mais semelhanças com outras rãs africanas do que com aquelas que vivem na savana ao pé do Monte ou em qualquer outro lugar da América do Sul).

 

Os Tepuis estão concentrados numa área que abrange o Rio Orinoco (Venezuela) e a planície amazônica. O mais alto deles é o Roraima e o mais antigo em sua formação. Um outro destaque também é o Auyan-Tepui que dá origem ao maior Salto do mundo, Salto Angel (Angel Falls), em território venezuelano, com 979m de queda livre do topo do Tepui.

 

A massa rochosa do Roraima possui também significativos depósitos de quartzo onde, no chamado Vale dos Cristais, é possível andar sobre um 'tapete' de vários centímetros de cristais brancos e rosados. Um cenário maravilhoso. Já o arenito, erodido pelas condições climáticas, assume várias formas como monolitos ou o que chamam de caos de blocos, tornando ainda mais extravagante o cenário que encontramos no topo do Monte.

 

O interior do Monte é bastante poroso em sua constituicão, abrigando uma extensa rede de cavernas e grutas, uma delas tida como a maior caverna de quartzo do mundo, e por onde também passam vários cursos d'água e cascatas internas. As cavernas se formaram através da infiltração das águas da chuva vindas da superfície. Muitas delas afloram nos paredões do Monte e descem em queda livre até a floresta intermediária ou a região da savana sob seus pés.

 

Não é a toa que os índios Pemon chamam o Monte ("Roraima") de Mãe das Águas, pois a grande quantidade de água que flui do monte alimenta, através de seus afluentes, os três grandes rios dos países que constituem sua fronteira, ou seja, o Rio Orinoco (Venezuela), o Rio Amazonas (Brasil) e o Rio Esequibo (Guiana).

MORADA DE MAKUNAIMA

 

Lendas da região afirmam que o Monte é morada de Makunaima ancestral guerreiro dos índígenas de origem Karib. Para algumas etnias também é tido como um deus da natureza. A fusão de "maku" (mau) e "ima" (grande) significa o grande mau e, segundo esses indígenas, Makunaima quando contrariado enviava raios, trovões e fortes tempestades do alto do Monte Roraima para as aldeias que ficavam lá embaixo.

 

Em Roraima há também uma narrativa bem popular que conta que certo dia o Sol, apaixonado pela Lua conseguiu encontrá-la (por causa de um eclipse), e seus raios dourados refletiram, juntamente com os raios prateados da Lua, em um lago de águas cristalinas da enorme montanha. Nesse encontro Makunaíma foi fecundado. Curumim esperto, teve como berço o Monte onde cresceu forte e tornou-se um índio guerreiro. Proclamado como herói pela tribo dos Macuxis.

"Batizado de Macunaíma", de Tarsila do Amaral

bottom of page